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Solidão — a sorte de todos os espiritos excepcionais

 

 

A solidão é o destino de todos os espíritos excepcionais, e isso às vezes lhes entristecerá; porém, sempre a escolherão como o menor dos males. Entretanto, nesse respeito, com o passar dos anos, o sapere aude [atreve-se a saber] torna-se cada vez mais fácil e natural; chegando aos sessenta anos, a inclinação à solidão chega a ser realmente natural, e mesmo instintiva, pois tudo então conspira em seu favor. Os impulsos maispoderosos à socialização, a saber, o amor das mulheres e o impulso sexual, deixam de exercer influência; o desaparecimento do sexo no ancião lança os fundamentos para uma certa autossuficiência que lentamente absorve o instinto social. Mil ilusões e tolices foram superadas; a vida de ação cessou quase por completo. O homem não tem mais expectativas, planos ou intenções. A geração à qual realmente pertence deixou de existir; rodeado de outra que lhe é estranha, já se encontra objetiva e essencialmente sozinho. O passar do tempo se tornou acelerado, e deseja empregá-lo intelectualmente. Porque neste momento, contanto que o cérebro tenha conservado suas forças, a grande quantidade de conhecimento e experiência que adquirimos, a meditação progressivamente aprofundada e a grande habilidade no emprego de nossas forças tornam os estudos de todo tipo mais fáceis e interessantes. Vemos claramente um milhar de coisas que então estavam envoltas numa nuvem de incerteza; alcançamos resultados e sentimos integralmente nossa superioridade. Devido à grande experiência, deixamos de esperar muito dos homens; pois, no todo, não ganhamos em conhecê-los mais de perto. Pelo contrário, sabemos que, salvo algumas raras e felizes exceções, não encontraremos mais que exemplares muito defeituosos da natureza humana, e que mais vale deixá-los em paz. Já não estamos expostos às ilusões comuns da vida, e vemos prontamente o que cada homem vale; raramente sentiremos o desejo de entrar em relação mais íntima. Por fim, o hábito do isolamento e do trato consigo mesmo se arraiga e se torna uma segunda natureza, especialmente se a solidão foi nossa amiga de juventude.

 

— Arthur Schopenhauer, in Aforismos para a Sabedoria de Vida

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