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Concepção teleológica e eudaimonista da racionalidade prática

por Gilbert Ronald Lopes Florêncio

 

 

O tema encontra seu centro de discussão no pensamento do filósofo Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), em cuja principal obra sobre ética, intitulada Ética a Nicômaco, expôs sua concepção teleológica e eudaimonista da racionalidade prática, o que fez a partir da reflexão sobre as ideias de Platão, seu outrora mestre, acerca do Bem Supremo (a eudaimonia), de tal modo que, dele divergindo, passou do idealismo ao realismo, ou seja, Aristóteles buscou estabelecer o Bem no âmbito do que é humano e terreno.

Importa destacar que o vocábulo eudaimonia tem sido traduzido como felicidade. No entanto, a felicidade, sob a acepção eudaimônica-grega, não se confunde com a acepção moral moderna, já que não se trata de um mero sentimento pessoal. Como adiante se esclarecerá, a felicidade (eudaimonia) não é um meio para qualquer outro fim, não é um estágio, mas sim um predicado para toda uma vida e que só se efetiva na pólis, na relação com o outro (alteridade), pelo exercício contínuo da virtude.

 

Pois bem, segundo o filósofo estagirita, a excelência moral relaciona-se com as emoções e as ações, sendo o excesso, tanto quanto a falta, uma forma de erro, enquanto o meio termo é louvado como acerto. Assim, sua teoria ética assenta seus pilares na prudência como valor, não sendo a felicidade (eudaimonia) uma forma abstrata, ideal, mas uma forma de viver bem e conduzir-se bem.

 

A ética eudaimônica, portanto, busca o pleno desenvolvimento das disposições naturais do homem, ou seja, a natureza oferece as condições de possibilidade para o homem desenvolver suas aptidões conforme sua essência racional, vale dizer, o exercício da racionalidade, enquanto atividade especificamente humana, foi elevado ao status de atividade humana par excellence, de modo que o comportamento do homem é que revela o uso da racionalidade que está a fazer e, pois, se ele está ou não no exercício de sua virtude (areté), a qual o conduzirá ao fim último, a eudaimonia (felicidade).

 

Destarte, Aristóteles apresentou dois elementos básicos:

 

1) a felicidade (eudaimonia) como o summum bonun, um fim em si mesmo, que não é meio para nenhum outro e;

2) a racionalidade como modo de agir do homem e que se apresenta como uma virtude.

 

Para chegar a este ponto, Aristóteles questionou a vida prática dos homens, identificando três tipos que se podem chamar de principais:

 

1) a vida agradável, cujos representantes visam sobretudo “aproveitar a vida”, assemelhando-se aos escravos e preferindo uma vida comparável à dos animais;

2) a vida política, em que se identifica felicidade com honrarias e reconhecimento de méritos e;

3) a vida contemplativa, que visa tão só ao Bem Supremo por si mesmo.

 

A partir daí, iniciou sua reflexão sobre a areté (virtude ou excelência moral), distinguindo-a em duas espécies:

 

1) a excelência intelectual – virtudes dianoéticas – (sophia) e;

2) a excelência moral (phronesis), ambas baseadas na razão, tendo na justiça a configuração do exercício de todas as virtudes, observando-se a instância da alteridade.

 

Então, neste cenário, o homem deve buscar aperfeiçoar-se para, com isso, alcançar a felicidade (eudaimonia), isto é, o homem deve desenvolver suas aptidões para alcançar o seu fim (télos), sua perfeição, por isso que eudaimonia e télos estão intrinsecamente ligados, formando uma ética imanente da felicidade terrena, ou seja, a virtude é a prática do termo médio entre os extremos, sendo a justiça uma virtude que só pode ser praticada em relação ao outro, com consciência e vontade, sendo seu objeto a realização da felicidade na pólis.

 

Em síntese, para Aristóteles, a virtude deveria ser avaliada em cada ação humana, a fim de certificar-se se a felicidade (eudaimonia) está ou não sendo buscada de modo racional. Trata-se de uma atividade de bem deliberar, de escolher racionalmente os caminhos, norteando-se pela phronesis (prudência), i.e., pelo cultivo da moderação diante dos extremos e excessos.

 

Assim, o conjunto dessas condutas, ao final de uma vida, é que poderia dar condições para o observador afirmar se dada pessoa alcançou ou não a eudaimonia.

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